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Ucrânia e Rússia: o conflito e os impactos no Comércio Exterior

22 de março de 2022
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Ao final de fevereiro, Rússia confirmou as especulações de líderes mundiais e invadiu a Ucrânia. A relação entre os dois países vizinhos é rodeada de tensão há muito tempo, tanto é que o presidente russo, Vladimir Putin, ensaiava esta invasão – de forma mais rigorosa – há mais de quatro meses.

O conflito entre os países teve início no século 17. Ambas as nações pertenciam ao Estado Eslavo Oriental de Kievan Rus, porém, os países do grupo avançaram separadamente. Rússia se tornou império e Ucrânia (na época chamada Ducato de Kiev) não teve sucesso na construção do seu próprio Estado. Esse momento, em que ambos faziam parte do mesmo grupo, embasa o discurso de Putin, de que russos e ucranianos deveriam ser um só povo. 

Como não conseguiu se estabelecer como nação, áreas da Ucrânia tornaram-se parte do Império Russo. Os anos seguintes foram de pressão: O Império Russo e União Soviética se dedicavam a impedir o desenvolvimento ucraniano. Após Revolução Russa (1917) e o final da Primeira Guerra Mundial, Ucrânia se tornou independente.

A independência não durou muito, já que, no período entre guerras, a União Soviética recuperou o poder do território ucraniano. Apenas em 1991, com a dissolução da União Soviética, que a Ucrânia conquistou – finalmente – sua soberania.

Os anos passaram e em 2014 os conflitos voltaram com tudo. O motivo? O então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, de posicionamento pró-Rússia, voltou atrás na decisão de firmar um acordo político e comercial com a União Europeia. A decisão causou protestos violentos na capital do país, que culminaram com a queda do presidente Yanukovych. A  Rússia aproveitou o momento de tensão para anexar a Crimeia (uma península autônoma no sul da Ucrânia, com forte presença de população com origem russa), ao seu território.

Recentemente, Rússia começou a enviar tropas militares a fronteira ucraniana, para causar pressão. O avanço da relação entre Ucrânia e a Otan (aliança militar entre nações da América do Norte e Europa) é inadmissível para o país russo, que quer a todo custo impedir esta relação e evitar a proximidade de países europeus e os EUA, com o seu território.

Mas, a questão é: como isso afeta o Comércio Exterior e o Brasil?

A seguir nossos colaboradores internacionalistas, Marcos Vinicius Lopes e Kálita Lopes, explicam os efeitos deste conflito.

O conflito Rússia-Ucrânia já trouxe uma série de impactos ao comércio internacional, principalmente aos países da região e aos parceiros comerciais de ambos.

De forma global, o conflito está pressionando a taxa de câmbio, aumentando a volatilidade das principais moedas do mundo, devido às incertezas que a invasão pode resultar.

Outro ponto importante a se destacar é o banimento da Rússia do sistema Swift[1], dificultando as transações financeiras russas com o resto do mundo. Ou seja, isolando financeiramente a Rússia do resto do mundo.

Do ponto de vista do mercado de commodities, o conflito teve impacto nos preço dos cereais (trigo, cevada), de fertilizantes, combustíveis (petróleo e gás) e minerais metálicos, visto que ambos os países são grandes produtores dessas matérias-primas.

No que diz respeito a logística do comércio internacional, já identificamos voos cancelados para a região e rotas aéreas sendo alteradas para não sobrevoar o espaço aéreo ucraniano. Com o bloqueio dos portos do Sul da Ucrânia, vários navios tiveram que suspender suas operações na região do Mar Negro, afetando tanto os países envolvidos no conflito, como seus vizinhos: Turquia, Geórgia, Romênia, Moldávia e Bulgária.

Os parceiros comerciais de ambos os países também estão sofrendo com a dificuldade de comercializar com Rússia e Ucrânia. Por um lado, pelo isolamento que as sanções comerciais impostas à Rússia vem causando, por outro, pelo bloqueio militar sofrido pela Ucrânia, executado pela marinha russa no Mar Negro.

Além disso, cargas já embarcadas com destino à Ucrânia estão, atualmente, sem rumo. Neste momento, companhias marítimas precisarão encontrar alternativas para a redestinação das cargas.

Em relação ao Brasil, no curto prazo, além dos fatores globais já citados, a falta de um posicionamento mais claro, por parte do Governo Federal, em relação ao conflito, pode afetar negativamente nossa imagem. No médio/longo prazo, em caso de prolongamento do conflito, nossas exportações aos países da região podem ser gravemente afetadas.

No ponto de vista econômico, o aumento do preço das commodities, principalmente do petróleo, minério de ferro e cereais vem pressionando os índices de inflação no país, já altos em decorrência da crise econômica gerada pela pandemia de COVID-19.

Esse aumento dos minérios tem impacto direto na indústria metalmecânica, automobilística e aeroespacial nacional. Já o aumento do valor dos fertilizantes, tem um impacto severo na agroindústria, pois parte importante dos fertilizantes utilizados no Brasil é de origem russa.

Outro ponto importante a ressaltar é a participação russa e ucraniana nas exportações de carne suína e bovina brasileiras, que já se vê bastante afetada pelas dificuldades logísticas impostas pelo conflito.

O momento é de preocupação em relação a população civil, devido a uma possível crise de refugiados, somados a situação de pandemia que ainda é realidade no mundo. Cabe aos governantes envolvidos a busca de uma solução breve para o conflito. Essa é a única forma de evitar mais consequências negativas no âmbito social, político e econômico.

De forma geral, todos os possíveis desdobramentos da guerra dependerão do rumo que o conflito tomará nos próximos dias e das decisões dos países da Otan frente a agressão russa.


Ana Tilea, nascida na Moldávia, país vizinho a Ucrânia e Overseas da KPM, relata abaixo como foi crescer sob o poder da União Soviética e como amigos e familiares que vivem na região, estão lidando com o atual cenário de guerra.

Eu nasci em 1986, época em que a Moldávia era dominada pela Rússia. Neste período tínhamos tudo: luz, gás, trabalho, férias pagas pelo governo, ruas urbanizadas, iluminação pública, salários fixos e comida na mesa. Uma maravilha? Não. Tudo era controlado pelo governo. Tudo.

Apesar disso, até hoje minha família deseja voltar a esse sistema. Mas, era claro que a Rússia não iria bancar tudo por muito tempo, nos deu a independência e deixou nosso país afundado em dívidas.

Há pouco tempo a Moldávia, assim como outros países vizinhos, começaram a se reerguer. Empresas começaram a ser criadas e negócios importantes foram fechados com países da União Europeia. Meu país tem hoje a primeira mulher como presidente, que está fazendo um ótimo trabalho vencendo a corrupção que durou mais de 20 anos. Assim como o presidente da Ucrânia, que estava reerguendo o país até a Rússia decidir invadi-lo.

Hoje quando falo com familiares da Moldávia ou amigos da Ucrânia fico apavorada. Meu país está ajudando os ucranianos com abrigo, comida, oferta de trabalho, festas para crianças, roupa e o que mais precisarem. Porém, falta comida nos mercados, a quantidade de comida por pessoa está sendo controlada.

O que me preocupa é o pós-guerra. Nossos países vão passar fome novamente e enfrentar mais uma crise, por causa de uma única pessoa.

Antes eu falava que era russa pois ninguém conhecia a Moldávia, hoje nem preciso mais, pois todos viram que o meu país é o primeiro a ajudar os refugiados. Porém, eu gostaria que a Moldávia ficasse famosa pelos vinhos, paisagens bonitas e gente de bom coração, não por causa de uma guerra injusta.

Quem foge de um país em guerra, dificilmente vai querer voltar. Isso acaba com a nação. Mais uma vez vamos passar pela mesma coisa: famílias destruídas e uma economia instável. Triste.

[1] O SWIFT é uma sociedade, com sede na Bélgica, que atua como uma espécie de fundação para o sistema bancário internacional, conectando cerca de 11 mil bancos, firmas e empresas em 200 países. Fonte: CNN Portugal. Acesso 25 fev.